Newsletter
Ao te inscreveres-te na nossa newsletter, serás o primeiro a ter acesso às nossas exposições, salas de visualização online, trabalhos disponíveis, eventos e muito mais.

    Brasilina
    “Brasilina” é a segunda exposição individual de Flávia Vieira na Kubikgallery, no Porto. Não há como falar desta exposição sem contar antes uma história – a da ‘brasilina’. Foi apenas no século XIV que muitos pigmentos e métodos de tintura fizeram o seu caminho até à Europa.
    17 SET 2021 – 03 NOV 2021

    “Brasilina” é a segunda exposição individual de Flávia Vieira na Kubikgallery, no Porto.

    Não há como falar desta exposição sem contar antes uma história – a da ‘brasilina’. Foi apenas no século XIV que muitos pigmentos e métodos de tintura fizeram o seu caminho até à Europa. Viajaram em naus, muitas vezes ao lado de indivíduos escravizados, especiarias e outros produtos estranhos ao ocidente. As tinturas pretas de alta qualidade passaram a ser usadas na Europa que, até então, apenas conhecia panos de tom acinzentado muito escuro, mas não pretos. Tal como o preto, chegou também um novo vermelho a Portugal no séc. XVI, a brasilina.

    Este pigmento, de seu tom avermelhado, que se sente intenso, hiante e caracterizado, é obtido através da madeira da árvore pau-brasil (Paubrasilia echinata), autóctone da Mata Atlântica brasileira, e foi um dos produtos da exploração intensiva feita pelos colonizadores portugueses na América do Sul. Pelas mãos forçadas da tribo indígena Tupinambás esta madeira era extraída e trazida para Portugal, onde era aplicada a tecidos e a tintas e largada para a complexa rede económica europeia de então.

    O projeto proposto por Flávia Vieira estende-se pelas três salas do espaço expositivo. Da rua, através das janelas, vê-se a ampla instalação têxtil de cor avermelhada tomar conta da primeira sala. Caindo do teto, a tapeçaria faz lembrar uma cortina, um biombo maleável, ou quiçá uma espécie de casulo ou entrada para um labirinto. Em diálogo com esta obra, estão outras duas esculturas, uma do mesmo tecido, mas em forma de vestimenta, pendurada num cabide, também ele escultura, mas de cerâmica e outra de pé, que por sua vez interagem com as esculturas da sala seguinte. Estas vão fazer a ponte para o vídeo, que leva igualmente o título de ‘Brasilina’, trazendo à exposição um caráter performativo, traduzido em sete minutos de um filme em que podemos ver um teatro de mãos – ora duas, ora quatro, ora nuas, ora pintadas, ora de luvas – que se vão alternando com imagens de um rosto que é pintado de rosa ou de formas enigmáticas que se assemelham às esculturas apresentadas. A cor no filme é diversa, mas sem sair do tom, assim como a composição sonora que lhe serve de fundo.

    Enquanto o uso da Brasilina na Europa era sobretudo uma demonstração de poder, no Brasil, este funcionava como um elemento ritualístico e performativo para diversas tribos. A identidade do pigmento de certa forma adaptou-se à geografia. Na exposição ainda que de forma sútil e camuflada, a artista sublinha todo o desenvolvimento político que a pesquisa por detrás destes trabalhos carrega.

    De mão dada com o colonialismo, certas cores adquiriram novos simbolismos. O uso de pigmentos vindos de países colonizados não só sublinhava o poder imperialista dos países onde eram usados, como o poder social dos indivíduos que os detinham, por serem ainda tonalidades raras. De facto, leis foram passadas para restringir o uso de certas cores a membros de extratos sociais mais elevados, perpetuando a associação destas cores à autoridade, riqueza e nobreza. A brasilina era particularmente apreciada por poder ser transformada em várias tonalidades diferentes de vermelho nunca antes vistas.

    Os trabalhos de Flávia Vieira vêm contar a história não do pigmento, mas das suas personas, a ocidental e a brasileira, e de como, por quem e para quem é operado este processo de transformação. Vemos isso no matiz que pauta a conversa entre cada trabalho e na forma tão latente como a materialidade se expressa na prática da artista. Mais que isso vemos as mãos, em toda a parte, membro do corpo tão vital, que aparecem mesmo onde são invisíveis na sua fisicalidade.

    Tal como no séc XVI estava em vigor uma legislação dos pigmentos na Europa que mascarava os indivíduos de poder e prestígio, hoje o indivíduo contemporâneo continua a mascarar-se com tecidos muitas vezes manufaturados por via de exploração de outros. Mesmo que de forma mais abstrata, a mensagem é clara, é a história que se adapta ao tempo, e não é o tempo que gera a história.

    Flávia Vieira (1983, Braga, Portugal)

    Vive e trabalha entre Porto e São Paulo. Flávia Vieira trabalha com têxtil, cerâmica e fotografia. O seu trabalho desenvolve-se a partir das narrativas culturais, históricas e políticas inerentes aos processos do fazer artesanal, explorando noções de identidade coletiva, de representação e de folclore. Estudou Artes Plásticas – Pintura na FBAUP, participou do Programa Indepen- dente de Estudos de Artes Visuais da MAUMAUS, desenvolveu o seu mestrado em Comunicação e Artes na Univ. NOVA – FCSH e concluiu o seu doutoramento em Poéticas Visuais e Processos de Criação na UNICAMP em São Paulo. Expõe regularmente desde 2010 em Portugal e no Brasil, destacando-se as exposições “FOCUS: Portugal” com curadoria de João Ribas na ArtToronto (2019), “Pandã” no Auroras, São Paulo (2019), “Hopes and Fears” com curadoria de Marta Mestre na KUBIKGallery, Porto (2018) e “Chama Plural” com curadoria de Isabella Lenzi no Consulado Português em São Paulo (2016). Participou nas residências artísticas FAAP – Fundação Armando Álvares Penteado em São Paulo (2014) e na Cittadellarte – Fondazione Michelangelo Pistoletto, em Biella (2008).